27 junho 2009

Cobertura jornalística de decisões judiciais é patética e tendenciosa

A cobertura da imprensa das decisões dos tribunais é patética. Às vezes, fica a impressão de que o jornalista não tem a menor idéia sobre o que está escrevendo ou falando. Aparentemente são demonstrações de preguiça dos veículos de comunicação e seus profissionais em apurar minimamente os fatos. Preguiça porque é muito difícil acreditar que seja apenas burrice. E isso ocorre em quase todas as reportagens que precisam de um pouquinho mais de esforço do jornalista, as matérias que envolvam direito e decisões de autoridades são as que sofrem mais.

Mas tenho convicção de que a negligência não é o ingrediente mais importante na (des)informação equivocada ou distorcida. É evidente que o componente mais decisivo é a disputa pela audi¼encia, a busca pela atenção do leitor e expectador. Há uma batalha ferrenha por notícias escandalosas e chocantes, em detrimento da cobertura isenta e equilibrada dos fatos. No caso abaixo, a notícia só ganhou repercussão porque as matérias tinham o claro ituíto de provocar a ira da sociedade.

Nesse ponto, chegamos a uma discussão ainda mais grave. O papel que a imprensa vem assumindo de patrulhamento das decisões judiciais. Quer dizer, os jornalistas aguardam as decisões judiciais com posições já pré-definidas. Não concedem ao julgador o reconhecimento de que ele é a pessoa mais habilitada a julgar. Se ele julgar em favor de "A" será louvado e aplaudido, se decidir em favor de "B" é hostilizado e tem sua decisão colocada sob suspeita. Atualmente, o manual de patrulhamento da mídia parece estabelecer que se o juiz ou o tribunal condenar, terá suas virtudes exaltadas, mas se inocentar, imputar-lhe-á defeitos, fragilidades e acusações de submissão a interesses escusos. Nesse caminho, parece que tornamos a justiça quase dispensável, pois, a mídia vende para a sociedade qual a decisão é a acertada e que, portanto, precisa ser assim adotada pelo judiciário. Se não o fizer, volta-se sobre ele uma saraivada de críticas e desabonações.

Em resumo, cada vez mais verifica-se uma flagrante tentativa de usurpação dos poderes do judiciario. Parece que se busca uma espécie de justiça popular, em que a sociedade faz a justiça que achar conveniente, pelas mãos de quem tem acesso aos meio de comunicação e prega a sua verdade absoluta. Vejam o exemplo abaixo analizado por Tulio Vianna. É apenas um caso entre tantos que encontramos em jornais e noticiários de radio e TV quase diariamente.

STJ não disse que “não é crime pagar por sexo com menores de idade”

Do Blog do Tulio Vianna

Quando a assessoria de imprensa do STJ noticiou que cliente ocasional de prostituta não viola artigo 244-A do Estatuto da Criança , eu cantei a bola no Twitter aqui e ali:

Este é um dos muitos exemplos de como jornalista escreve bobagem em matéria jurídica. O que o STJ deve ter decidido é que só pratica o 244-A o cafetão que submete as meninas à prostituição. O cliente pode ser enquadrado eventualmente em outros crimes.

Demorou um pouco, mas hoje O Globo me solta essa: STJ diz que não é crime pagar por sexo com menores de idade e revolta juízes e promotores . Zero Hora também afirma que: STJ diz não ser crime pagar por sexo com adolescentes .

A cobertura midiátidca das decisões dos tribunais é patética. Eles não têm a menor idéia sobre o que estão escrevendo.

Vejam como a notícia original foi deturpada. A manchete original estava correta: de fato, o STJ decidiu que o cliente ocasional da prostituta adolescente não viola o art.244-a do ECA. Só que o STJ NÃO disse que os clientes não poderiam ser condenados por OUTROS crimes. Quem inventou esta informação foram os jornalistas com diploma de O Globo e Zero Hora.

Leiam comigo o art.244-a do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2o desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual:

Pena – reclusão de quatro a dez anos, e multa.

Está claro pela simples leitura do artigo que quem pratica esse crime não é o cliente, mas o cafetão que explora as crianças e adolescentes.

O STJ absolveu corretamente por estes crimes, mas em momento algum afirmou que quem pratica relação sexual com crianças e adolescentes não pratica outro crime. Uma interpretação como esta só poderia partir de alguém que não tem a menor idéia sobre o que está escrevendo.

Quem pratica relação sexual com criança ou adolescente menor de 14 anos pode ser condenado por crime de estupro. Isso mesmo: estupro!

Vejam o que diz o art.224 do Código Penal:

Art. 224 – Presume-se a violência, se a vítima:

a) não é maior de catorze anos;

b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância;

c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência.

O Código Penal presume o dissenso em relações sexuais com menores de 14 anos e o STF tem entendido que esta presunção é absoluta. Conclusão: manter relação sexual com criança ou adolescente menor de 14 anos não é punível com o crime do art.244-a do ECA, mas com o art.213 c/c art.224 do Código Penal. Pena mínima mais grave, inclusive.

Quanto à relação sexual com adolescente maior de 14 anos, normalmente ela é lícita. Nem poderia ser de outra forma, nos tempos atuais, em que os adolescentes iniciam sua vida sexual cada vez mais cedo. Punir a relação sexual com adolescentes entre 14 e 18 anos seria uma ingerência absurda do Estado na liberdade sexual destes adolescentes que têm o direito a iniciar sua vida sexual quando julgarem mais adequado.

Evidentemente, porém, que, se as meninas estão sendo forçadas a se prostituírem e os clientes sabem disso, eles podem responder pelo crime de estupro, pois há emprego de coação para obrigá-las à prática das relações sexuais.

Aqui, porém, há um detalhe processual que não poderia ter sido superado pelo STJ: se alguém é denunciado em primeira instância pelo crime do art.244-a, não pode já na fase do recurso especial no STJ, ser condenado pelo crime do art.213, pois isto implicaria em uma condenação por crime distinto do qual foi denunciado, o que seria uma afronta ao direito constitucional à ampla defesa e ao contraditório.

É por isso que os réus da notícia foram absolvidos. Da próxima vez, o Ministério Público deve denunciar por estupro (art.213 c/c art.225 do CP) e demonstrar que o cliente sabia que as meninas só estavam praticando sexo com eles, pois estavam sendo coagidas por um cafetão. Não tenho dúvidas que, nesta hipótese, o STJ irá condenar os tais clientes por estupro.

—————————————————————————

Atualização em 24/6/2009 às 14h36:

No caso em questão as notícias informam que as vítimas teriam 12 e 13 anos ou seja, está claro que houve crime de estupro. O estupro, em regra, é crime de ação penal privada (art.225 do CP) e a vítima precisa contratar um advogado para fazer a acusação. Neste caso, supondo que as vítimas sejam pobres, o crime passa a ser de ação penal pública condicionada à representação (art.225, §2º, do CP) e caberia ao Ministério Público fazer a acusação em juízo, desde que esta fosse requerida pelo representante legal da vítima (mãe, pai ou quem a represente).

Nenhum comentário: