02 maio 2009

O erro que agravou a gripe suína

Uma interessante e bastante plausivel teoria sobre a propagação da gripe suína no México...


por Paulo Moreira Leite, Época, Sáb, 02/05/09


"O grande Fernand Braudel, pensador que nos ensinou que a História não é vivida apenas pelos grandes homens, mas inclui as dores e alegrias do cotidiano das pessoas comuns, foi um dos primeiros a associar epidemias, pestes e doenças à qualidade de vida de cada sociedade.

Sua fórmula é simples e lógica: a cada queda no consumo de proteinas, assistimos a uma ascenção de virus e bactérias — esses inimigos invisíveis da humanidade, sempre à espreita de organismos fracos e desprotegidos para crescer e se multiplicar.

Impossível deixar de pensar nisso agora, diante da febre suina. De certo modo, é ocioso saber onde o virus nasceu — no México, como diz a maioria dos pesquisadores, ou nos EUA, como querem outros. O relevante é notar que foi no México que o vírus se espalhou, atingiu um número considerável de pessoas e fez um número considerável de mortes.

Nas últimas décadas o México até experimentou um crescimento economico real, estimulado pelo petróleo e pelas exportações para os EUA e também pelas montadoras que vendiam mercadorias para o NAFTA. O problema é que, simultaneamente, o país promoveu o desmantelamento do serviço público e enxugamento da máquina do Estado. No caso específico da saúde, o desmanche foi tão grande que no final da década de 90 o país chegou a ouvir advertências da Organização Mundial de Saúde em função dos riscos que sua população estava correndo.

Embora as autoridades gostem de recordar um esforço de recuperação realizado nos últimos anos, como fez um antigo ministro da Saúde em artigo publicado há dias pelo New York Times, essa deficiencia é parte da paisagem onde cresce a gripe suína. A Organização Mundial de Saúde cumpriu sua obrigação ao divulgar um alerta sobre o risco de uma pandemia.

Mas a revista Economist observa que ninguém sabe, até o momento, o grau de letalidade deste vírus.

A impressão geral é curiosa: ele parece muito mais mortífero dentro das fronteiras mexicanas do que em outros países. Por que?

Não há uma explicação muito clara até o momento. Mas a hipótese mais considerada é que a saúde pública mexicana tornou-se de qualidade tão ruim que não se sabe se as pessoas morrem em função de um vírus novo, especialmente agressivo — ou de um atendimento tão lento e precário que só chega aos pacientes quando já é tarde demais. (Os remédios eficazes contra o vírus só funcionam quando são ministrados até 48 horas após o o diagnóstico).

Num universo de avaliações pouco confiáveis, descobriu-se na semana passada que o número de mortes confirmadas é quatro vezes menor do que que aquele dado anunciado inicialmente. Não parece obra do serviço oficial de propaganda, ocupado em esconder a sujeira por baixo do tapete — mas um sintoma da incapacidade dos serviços de atendimento identificar as doenças com maior precisão.

Divulgou-se, também, que o número de pessoas atingidas pelo vírus chegava a 2500. Sabe-se agora que o número certo chega a metade disso.

Acontece que nem todos os exames básicos para identificar o virus são feitos no México, mas nos Estados Unidos e no Canadá. Isso atrasa o atendimento e, é claro, dificulta a identificação de quem está doente — e quem não está. Também torna o tratamento mais difícil.

Não é a falta de proteínas, de que falava Braudel. Mas é um de seus sucedâneos nos tempos modernos — a falta de uma boa saúde pública."

Nenhum comentário: