02 maio 2009

A função de um homem ridículo

Creio que este texto de Paulo Moreira Leite coloca no devido lugar o episódio da visita do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, ao Brasil. Lembra que, mesmo o iraniano defendendo posições inaceitáveis, como a negativa do Holocausto, isso não deveria dar ao governo de Israel o direito de pregar moral a ninguém.


por Paulo Moreira Leite, Época, Sáb, 01/05/09


De tempos em tempos, a humanidade é obrigada a conviver com personalidades ridículas.

Nos dias atuais, esse papel é cumprido por Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã. Ele faz discursos racistas.

Nega a existência do holocausto na Segunda Guerra Mundial, onde 6 milhões de judeus foram mortos. Ahmadinejad também chefia uma das ditaduras mais retrógradas do planeta.

Embora seja presidente do Irã, seu poder real é tão decorativo quanto o da babá que é usada como testa de ferro para operações clandestinas no Senado brasileiro.

Quem manda no país são os aiatolás, com os quais Ahmadinejad mantém uma relação de devoção. Seu governo é incapaz de abrir uma perspectiva de desenvolvimento real para o país — embora não lhe faltem reservas de petróleo que poderiam sustentar isso.

Mas os homens ridículos tem sua utilidade.

O discurso racista e repulsivo de Ahmadinejad faz dele um alvo oportuno para o governo de Israel e embaralha qualquer debate sério sobre o futuro do Oriente Médio.

É tão nocivo e perigoso como os atentados terroristas do Hamas.

Por causa da visita de Ahmadinejad ao país, o governo de Israel decidiu chamar a embaixada brasileira para protestar.

A diplomacia lhes reserva esse direito. Da mesma forma, garante ao governo brasileiro o direito de receber quem deseja em seu território.

Afastando-se da diplomacia fracassada de George W. Bush, o presidente americano Barack Obama também se recusa a aplicar uma política de isolamento contra o Irã. É realista — pelo menos.

Vamos combinar: compreendo a posição de todo cidadão israelense, todo judeu e de todo o ser humano que se mostra indignado diante de toda tentativa de minimizar o Holocausto.

Mas o atual governo israelense não deveria ter o direito de dar lições de democracia nem de tolerância a ninguém.

O primeiro-ministro Benjamin Nethanyau não reconhece sequer o direito dos palestinos a formar um Estado autônomo, o que está previsto pela resolução da ONU que deu origem ao Estado de Israel, em 1947.

Há 42 anos o país se recusa a cumprir determinações votadas pelas Nações Unidas de retirada dos territórios ocupados em 1967.

Mantendo uma política de expansão territórial, o governo de Israel mantém e quer ampliar colonias em territorios palestinos.

O atual ministro das Relações Exteriores de Israel defende uma plataforma de segregação interna. Não só tentou impedir partidos árabes de disputar as eleições como defende que os palestinos nascidos residentes em Israel sejam tratados como cidadãos de segunda classe.

Mas personagens ridículos como Ahmadinejad tem essa função.

Eles embaralham o debate, prejudicam quem dizem que gostariam de beneficiar e auxiliam quem tratam como inimigos.

Por isso são ridículos. Ahmadijenad virá ao Brasil e é provável que ocorram protestos durante sua visita.

Culpa dele.

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